Subterraneo
105206 palavras
421 páginas
E de novo foi lançado em turvos pensamentos sobre o mês de outubro e suas desagradáveis lembranças. O automóvel marchava outra vez mas Artur continuava a enxergar a inscrição subversiva. E ela relembrava-lhe a entrevista com o dirigente comunista, a precisão das palavras do moço, suas propostas de união e a perspectiva dramática que êle traçara no caso que os políticos democráticos continuassem “de olhos fechados”. Uma estranha mistura de sentimentos dominava Artur ao recordar a entrevista: um certo despeito – aquele homem ainda moço, mal vestido, saído sem dúvida dos meios operários, querendo lhe ensinar política – e uma certa admiração pela severa figura do revolucionário. Pensou na outra entrevista que tivera naquele mês: com o Ministro do Exterior, gordo e pegajoso diplomata, a propósito do caso de Paulo. Fora igualmente desagradável, não lhe deixara tampouco uma lembrança amável. Mas tinha sido diferente: com o Ministro ele se encontrara dono da situação em todos os momentos, dirigira o desenrolar da entrevista como melhor lhe parecera. Em todo caso, muito desagradável. Gostaria de pensar em coisas alegres, de arrancar-se das recordações daquele outubro exasperante. Por que não pensar em Marieta Vale que ia rever após longos meses de ausência – o colar de pérolas brilharia sem dúvida mais sobre a brancura do seu colo que as gotas d’água cortadas pela luz – por que não pensar em seus olhos e em seu sorriso que dentro de momentos reencontraria, por que amargurar-se com a boataria política, com o telegrama anunciando a próxima chegada de Paulo, com o escândalo que cercara a bebedeira do rapaz, com a entrevista com o Ministro, com o recente encontro com o dirigente comunista? Parecia-lhe ouvir ainda as últimas palavras pronunciadas, com uma gravidade quase solene, pelo revolucionário: – A culpa caberá inteiramente aos senhores. Quanto a nós, saberemos como agir... Fitando o pavimento molhado, tentava enxergar, sob a luz derramada pelos postes, o