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Criação
20 de Abril
Esta manhã, quando acordei, veio-me a ideia do Ensaio sobre a cegueira, e durante uns minutos tudo me pareceu claro - excepto que do tema possa vir a sair alguma vez um romance, no sentido mais ou menos consensual da palavra e do objecto. Por exemplo: como meter no relato personagens que durem o dilatadíssimo lapso de tempo narrativo de que vou necessitar?
Quantos serão precisos para que se encontrem substituídas, por outras, todas as pessoas vivas num momento dado? Um século, digamos que um pouco mais, creio que será bastante. Mas, neste meu Ensaio, todos os videntes terão que ser substituídos, por cegos, e estes, todos, outra vez, por videntes... As pessoas, todas elas, vão começar por nascer cegas, viverão e morreram cegas, a seguir virão outras que serão sãs da vista e assim vão permanecer até a morte. Quanto tempo requer isto? Penso que poderia utilizar, adaptando a esta época, o modelo “clássico” do
“conto filosófico”, inserindo nele, para servir as diferentes situações, personagens temporárias, rapidamente substituíveis por outras no caso de não apresentarem consistência suficiente para uma duração maior da história.
21 de Junho
Dificuldade resolvida. Não é preciso que as personagens do Ensaio sobre a Cegueira tenham que ir nascendo cegas, uma após a outra, até substituírem, por completo, as que tem visão: podem cegar em qualquer momento. Desta maneira ficará encurtado o tempo narrativo.
2 de Agosto
Escrevi as primeiras linhas do Ensaio sobre a Cegueira.
15 de Agosto
Continuo a trabalhar no Ensaio sobre a Cegueira. Após um princípio hesitante, sem norte nem estilo, à procura das palavras como o pior dos aprendizes, as coisas parecem querer melhorar. Como aconteceu em todos os meus romances anteriores, de cada vez que pego neste, tenho que voltar a primeira linha, releio e emendo, emendo e releio, com uma exigência intratável que se modera na continuação. É por isso que o primeiro capítulo de um