Sobre história e literatura
A necessidade de deliberar sobre acontecimentos vividos e deixar para a posteridade fatos presenciados ou imaginados, pode ser entendida como os primórdios da idéia de história como hoje a conhecemos. Instituindo relevo àquilo que filia a sua existência ao mundo, ao narrar a sua vivência o homem assegurou grandeza a atos individuais e coletivos, assentindo para a importância de preservar para o futuro a memória, na qual fecunda a tradição. Em um pólo distinto, à fugacidade da existência, vinculada ao momentâneo, ao atemporal, o trânsito das palavras no discurso interdita e resignifica a realidade, preservando não apenas as ações históricas, mas reitera o sustentáculo de subjetividade que mantém a ligação entre o homem e a experiência na busca do sublime através da arte. É o especular que, através da linguagem, traduz estados anímicos em narrativas que subvertem o tempo histórico, sombreando a vida com o que chamamos de poesia3. Quando características históricas e poéticas são condensadas em metanarrativas, explicitam-se matizes discursivos que permitem nomeá-las como expressivas da grandiosidade humana, detendo o poder de modelar e demarcar a face do tempo. Enquanto portam um discurso poético e refletem sobre os limites existenciais da vida, essas narrativas amplificam aspirações e se assentam como veículo das ações divisoras do tempo social.4 Pela dimensão alegórica e pelo simbolismo presentificado em Os sertões, de Euclides da Cunha, podemos aceitá-la como uma dessas narrativas emancipatórias, capaz de gerar indagações não apenas pelo que lhe motivou, mas, principalmente, pelo que suscitou no questionamento do mundo que lhe deu forma. Em sua fatura e interpretação transfigurou-se uma realidade regional, deixando marcas indeléveis na compreensão do Brasil, delegando ao país um imaginário topográfico e humano até então desconhecido.
As reflexões aqui empreendidas – a