Resenha
Prof. Rubem Alves
Já se disse que as grandes idéias vêm ao mundo mansamente, como pombas. Talvez, então, se ouvirmos com atenção, escutaremos, em meio ao estrépito de impérios e nações, um discreto bater de asas, o suave acordar da vida e da esperança. Alguns dirão que tal esperança jaz numa nação; outros num homem.
Eu creio, ao contrário, que ela é despertada, revivificada, alimentada por milhões de indivíduos solitários, cujos atos e trabalho, diariamente, negam as fronteiras e as implicações mais cruas da história.
Como resultado, brilha por um breve momento a verdade, sempre ameaçada, de que cada e todo homem, sobre a base de seus próprios sofrimentos e alegrias, constrói para todos.
Albert Camus
Pra lhes dizer a verdade, não sei onde meu pai arranjou aquele almanaque, velharia do século passado, e que catalogava os municípios das Minas Gerais, um a um. Tenho de confessar que, igual aquele, ainda não vi outro, tão bem arranjado e consciente das coisas que deviam ser preservadas para a posteridade. Tanto assim que, além de exaltar as belezas do lugar (e que lugar é este que alguma beleza não possui?) e as excelências do clima, passava a descrever as excelências do povo, listando os vultos mais ilustres, a começar, como era de se esperar, pelos capitalistas, fazendeiros e donos de lojas, passando então ao médicos, boticários, bacharéis e sacerdotes, sem se esquecer, ainda que no fim, dos mestre-escolas. Lá, bem no começo, seguindo a ordem alfabética, estava Boa Esperança, terra de meu pai, e ele ajeitou os óculos para ver se descobria naquele registro do passado a informação de algum antepassado ilustre, quem sabe alguma glória de que se pudesse gabar! E o dedo indicador foi percorrendo o rol dos importantes, um a um, pelo sobrenome, pois que de primeiro nome todas as memórias tinham sido apagadas. Até que parou. Lá estava. Não podia haver dúvidas. O sobrenome era o mesmo: Espírito Santo. Profissão: tropeiro.