Resenha o Fio das missangas
Entre os autores contemporâneos de língua portuguesa, destaca-se o nome do moçambicano Mia Couto como um dos escritores africanos mais lidos e premiados no mundo. Sua vasta produção literária inclui romances, contos, crônicas e poesias filiadas à tradição da melhor literatura de língua portuguesa.
O fio das missangas, publicado em 2003, é um livro que reúne vinte e nove pequenos contos que, mesmo sendo enredos independentes, mantém um elo entre si, à maneira de um colar. Fazendo referência a algo banal, o livro fala de coisas discretas, delicadas e frágeis, que geralmente ficam ocultas (como um fio), mas que se revestem de grande importância. Por trás dessa aparente banalidade, os contos tratam temas fortes, como violência, morte, separação, traição, loucura, vingança, incesto, suicídio, responsáveis pelas maiores dores humanas.
Despretensiosas à primeira vista, essas narrativas trazem situações em que nos sentimos sem importância, diminuídos em nossa dignidade humana ou desencorajados da vida. A maior parte desses contos abordam a condição feminina, visto que nós, mulheres, somos, em muitos casos, relegadas a uma existência anulada, de submissão e abandono, como se pode sentir na seguinte fala de uma das personagens: “Agora, estou sentada olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida” (do conto “Saia almarrotada”). Contemplando a própria saia, que é um símbolo feminino, essa personagem reflete sobre sua condição de indivíduo coisificado, transformado em objeto que, depois do uso, é descartado exatamente como um “fio de missanga”.
Em outro trecho, a mesma personagem se apresenta: “A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente noturna. Nasci para cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.”. Como podemos