Rene Descartes A dioptrica
Discursos
Paulo, v. 8,i,
n.ii,
3, p.iii,
451-86,
iv e 2010 viii René Descartes
A dióptrica
Discursos i, ii, iii, iv e viii
[81] Discurso i
Da luz
Toda a conduta de nossa vida depende de nossos sentidos, e como a visão é o mais universal e o mais nobre dos sentidos, não resta a menor dúvida de que as invenções que servem para aumentar seu poder estão entre as mais úteis que podem existir. E é difícil encontrar alguma que a aumente mais do que aquelas maravilhosas lunetas que, estando em uso há pouco tempo, nos têm revelado novos astros no céu e outros novos objetos acima da Terra em maior número do que nós já havíamos visto antes. Assim, levando nossa visão muito mais longe do que poderia normalmente ir a imaginação de scientiæ zudia, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 451-86, 2010
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René Descartes
nossos pais, essas lunetas parecem ter aberto caminho para que nós alcancemos um conhecimento da natureza muito maior e mais perfeito do que eles possuíram. Mas, para vergonha de nossas ciências, essa invenção, tão útil e tão admirável, apenas foi
[82] primeiramente alcançada pela experiência e ao acaso. Há aproximadamente 30 anos, um homem chamado Jacques Metius, oriundo da cidade de Alkmar na Holanda, que nunca estudou, apesar de ter tido um pai e um irmão que fizeram das matemáticas suas profissões respectivas, mas que tinha particular prazer em manufaturar espelhos e vidros ardentes, compondo-os mesmo durante o inverno com o gelo, assim como a experiência mostrou que pode ser feito, tendo nessa ocasião muitos vidros de diversas formas, experimentou, felizmente, olhar através de dois, dos quais um era um pouco mais espesso no meio do que nas extremidades, e o outro, ao contrário, era muito mais espesso nas extremidades do que no meio. Ele os colocou de uma maneira tão favorável nas extremidades de um tubo, de forma que se fez assim a primeira luneta que mencionamos anteriormente. E é somente sob esse padrão que todas as outras lunetas,