Rei Utopus
O pensamento ocidental esteve, freqüentemente, marcado pela produção de figurações utópicas que evocavam a descoberta ou a proposição de sociedades ideais. Essa tradição emergiu sob diferentes formas: os tratados de política, textos literários, as formulações iconográficas e arquiteturais, etc. Uma das características mais marcantes dessa tradição utopista, sobretudo no que diz respeito a sua dimensão literária, consistiu na localização desses espaços utópicos em geografias insulares ou em alguma outra forma de afastamento do mundo conhecido. A própria situação de insularidade e de afastamento implicaram comumente a inclusão da agricultura e da subsistência como elementos-chave da viabilidade utópica. Na República de Platão, por exemplo, os agricultores e artesãos, provedores da subsistência material, constituem uma das três classes da cidade. Foi sobretudo a partir do Renascimento que a tradição literária utópica começou a interessar-se pela organização do espaço, e mais especificamente pelo espaço urbano, pelo habitat construído e pela relação deste com o meio natural e com a zona rural. Na Ilha da Utopia de Thomas More (1516), por exemplo, 54 núcleos urbanos são distanciados uns dos outros em função do potencial agrícola da zona rural que os separa. Numa ilustração da obra publicada no século XVII, em vez do cetro, Utopus, o rei de Utopia, porta um feixe de espigas de trigo, simbolizando a base material da estruturação social ilhoa. Ainda no âmbito do Renascimento, é revelador o fato de que um dos principais autores da produção tratadística do período e responsável pelo projeto de Sforzinda, Filarete, produziu também um tratado sobre agricultura, aliás perdido (10). A história das Américas é, em várias passagens, marcada pela implantação de comunidades portadoras de projetos urbanísticos agrícolo-utópicos. Esse foi o caso, por exemplo, das missões jesuíticas na América do Sul ou das comunidades puritanas