Pos papel
André Petry, de Nova York - Veja, 19/12/2012
A transição para a era digital é a mais radical transformação da nossa história intelectual desde a invenção do alfabeto grego. Sim, o momento é histórico: há mudanças profundas na leitura, na escrita - e talvez até dentro do cérebro humano.
Sócrates, o homem mais sábio de todos os tempos, estava enganado. Com a genial invenção das vogais no alfabeto grego, a escrita estava se disseminando pela Grécia antiga - e Sócrates temia um desastre. Apreciador da linguagem oral, achava que só o diálogo, a retórica, o discurso, só a palavra falada estimulava o questionamento e a memória, os únicos caminhos que conduziam ao conhecimento profundo, à sabedoria. Temia que os jovens atenienses, com o recurso fácil da escrita e da leitura, deixassem de exercitar a memória e, como a palavra escrita não fala, perdessem o hábito de questionar. Sua mais conhecida diatribe contra a escrita está em Fedro, de PIatão, seu fiel seguidor. Ali, Sócrates diz que a escrita daria aos discípulos "não a verdade, mas a aparência de verdade". O grande filósofo intuiu que a transição da linguagem oral para a escrita seria uma revolução. Foi mesmo, só que numa direção promissora. Permitiu o mais esplêndido salto intelectual da civilização ocidental. Agora, 2500 anos depois, estamos às voltas com outra transição revolucionária. Da cultura escrita para a digital, há uma mudança de fundamento como não ocorre há milênios. A forma física que o texto adquire num papiro de 3000 anos antes de Cristo ou numa folha de papel da semana passada não é essencialmente distinta. Nos dois casos, existem enormes diferenças de qualidade e clareza, mas é sempre tinta sobre uma superfície maleável. Na era digital, a mudança é radical. O livro eletrônico oferece uma experiência visual e tátil inteiramente diversa. É uma outra forma. Como diz o francês Roger Chartier, professor do College de France e especialista na história do livro, "a forma