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Para Iludir O Coração
Como me enleva e quanto me impressiona
Conservar sempre nítido comigo
O teu perfil judaico de Madona
Na iluminura de um missal antigo!
A saudade, que nunca me abandona,
(Oh! sombra de minh’alma, eu te bendigo!)
Fixando a tua imagem se fez dona
Do pensamento em que te dei abrigo...
Para iludir o coração que pena,
No espelho móvel da memória trago
Teu vulto amado, na expressão terrena...
E iluminas meu ser, num sonho vago,
Como uma estrela a abrir-se em luz serena
Sobre a quietude límpida de um lago...
Edvard Munch, Dança da Vida, da série O Friso da Vida
O Horror dos Vivos
Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n'alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.
Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
Não perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.
Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Não a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.
Nas lutas vãs do tenebroso mundo
Os mortos são ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.
Cruz e Sousa
A cama do defunto, Munch
Cavador do Infinito
Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.
Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.
E quanto mais pelo Infinito cava mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...
Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!
Cruz e Souza