Poemas
No fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto
a partir desta data, aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso, maldito seja que olhas pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais
mas problemas não se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem todos a passear o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas.
Dor elegante
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
Invernáculo
Esta língua não é minha, qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras, vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima, quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava uma canção longínqua, a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa à margem esquerda da frase, eis a fala que me lusa, eu, meio, eu dentro, eu, quase.
O que quer dizer
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo, coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro o que, um dia, se disse, um dia, vai ser feliz.