Pobreza
E O DESEJO DE LIBERDADE
Helton ADVERSE1
■ RESUMO: O objetivo do artigo é compreender alguns aspectos do republicanismo de Maquiavel concedendo atenção à sua teoria dos humores. Mais especificamente, trata-se de entender qual a natureza do desejo do povo e seu papel na vida política. A principal hipótese deste trabalho é a de que a função que Maquiavel atribui ao povo, o guardião da liberdade, exige, para seu cumprimento, a participação ativa do cidadão nos afazeres cívicos, isto é, sua inscrição no espaço público como agente político. Essa inscrição não pode ser inteiramente compreendida se o desejo que caracteriza o povo carecer de qualquer determinação, isto é, se for tomado somente em uma perspectiva negativa.
■ PALAVRAS-CHAVE: Maquiavel; república; liberdade, desejo do povo; vivere civile.
I. Leituras Republicanas
Nas últimas décadas tem encontrado grande aceitação a filiação do pensamento de Maquiavel à tradição republicana. Decisivos para tanto foram os trabalhos de Hans Baron” (1966 e 1988), de Quentin Skinner (1996) e de John G. A. Pocock (1975), assim como os de Claude Lefort (1972), e não são poucas as obras recentes que refinam e problematizam a natureza do republicanismo maquiaveliano. Minha intenção, neste artigo, é examinar um aspecto do pensamento político de Maquiavel que – espero – poderá nos ajudar a compreender um pouco melhor a especificidade desse republicanismo.
E digo isso porque se a tese de que Maquiavel é um republicano
1 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da
Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Artigo recebido em ago/07 e aprovado em nov/07.
34 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(2): 33-52, 2007 é considerada válida por muitos comentadores, o que caracteriza mais propriamente esse republicanismo está longe de ser consensual. Sendo assim, alguns, como Skinner e Pocock, defendem uma espécie de leitura continuísta da obra de Maquiavel