Pais de Medo
Nos últimos tempos, algo em torno de dois a quatro anos, com a facilidade de comunicação da internet, novas e intensas trocas, agora literárias, são realizadas no Atlântico Negro que se inserem na perspectiva descrita por Paul Gilroy. A participação nesse processo da cena literária contemporânea nos países africanos de língua portuguesa, mais precisamente Moçambique, revela-se fascinante em razão da oportunidade de acompanhar os desafios dos jovens escritores para galgar o seu espaço em um sistema literário já consolidado, não podendo passar despercebido os textos literários de escritores como Andes Chivangue, Mbate Pedro, Tânia Tomé, Sangare Okapi, Celso Manguana e mais uma meia dúzia de dois ou três nomes.
Ruy Ligeiro, nome literário de Carlos Maurício, merece o enquadramento nesse grupo com os poemas reunidos no seu livro de estreia, O País do Medo. Ligeiro possui uma dicção poética que incomoda, que torna os poetas temidos, e desvela para o público uma poesia de risco, palavra-lâmina a cortar a inércia reinante por meio de uma caudalosa tormenta de angústia, que atinge os sentidos estremecidos e inertes para a realidade desigual e injusta de seu país em imagens tecidas com a visceralidade das atrocidades vivenciadas, não sendo gratuita a analogia à série de pinturas de Francesco Goya, Desastres da Guerra, título do poema: “Viemos do tempo mais insonoro sem miocárdio/ Sorrindo pelas maxilas e apodrecendo/ O mundo com o ruído das nossas dores”.
O macrotema da pátria moçambicana atravessa a poesia moçambicana ao longo dos anos, seja na postura ambígua de Rui Knopfli em “O País dos Outros” durante o colonialismo, seja na postura de combatividade explícita e de certeza no porvir de José Craverinha ao longo de sua obra, ora na introspecção de amar e escrever poemas de “O País de Mim” de Eduardo White, ora na angústia dilacerada de Nelson Saúte em “A Pátria