Os vivos governam os mortos
Os Vivos Governam os Mortos*
Boris Fausto
Sabem os historiadores, e as pessoas dedicadas às Ciências Humanas em geral, que o passado não é um campo imóvel, de contornos definidos, possibilitando aos especialistas conhecer os fatos tal como eles realmente aconteceram.
Esse foi um grande sonho positivista que quis aproximar as Ciências Humanas da objetividade das chamadas "ciências duras" - uma objetividade também relativa, como hoje se sabe -, para daí extrair grandes leis explicativas da vida social.
Na verdade, o passado é movente, não por ser tecido apenas por diferentes discursos, como os pós-modernos pretendem, mas porque sua interpretação, em busca de graus crescentes de certeza, está sujeita à ampliação do conhecimento e às opções das construções históricas do presente.
Fico aqui no terreno interpretativo, separando-o algo artificialmente dos avanços do conhecimento, pois estes e a renovação interpretativa muitas vezes se entrelaçam. Vejam, por exemplo, o acesso a fontes antes consideradas segredo de
Estado, como se deu com os arquivos soviéticos, felizmente bastante preservados. A análise mais aprofundada das decisões da burocracia soviética, ou, personalizando, de Stalin e sua corte, do universo concentracionário, da liquidação dos camponeses, ou até mesmo da aventura insurrecional de novembro de 1935 no Brasil, deveram-se ao mencionado avanço do conhecimento.
Longe de ser inocentes, as interpretações e reinterpretações dos historiadores têm muito a ver com sua visão do presente. No caso, invertendo uma conhecida expressão de Comte, "são os vivos que governam os mortos". É esse, aliás, o sentido da conhecida expressão de Benedetto Croce, segundo a qual, toda História é História contemporânea. Exemplos não faltam e, entre os mais significativos, encontram-se as controvérsias interpretativas em torno de duas grandes balizas que marcaram o trabalho dos historiadores e