Os bichos
Madalena não é um bicho como o cão e o gato. Madalena é uma mulher de verdade, com as suas fragilidades, coragens e solidões. Fica grávida e tudo muda. Muda ela, que se ausenta dos outros e de si, que se afunila no cultural vigente vivendo em si a mancha, a nódia que herdara do Armindo, numa noite de S. Martinho.
Momento de acasalamento parecido ao de um "Bicho". Não premeditado, com ausência de amor e de projecto, com a abundância de um "cio" que se adivinha.
Passa a viver como um Bicho durante nove meses. Esconde-se e esconde a sua gravidez, assumindo o estatudo de SEGREDO entre ela e Deus.
Chegada a hora sai pela calada. Vai para Ordonho onde se encontra a sua amiga Ludovina, com quem iria partilhar este segredo, pois só, não conseguiria esta demanda. Atravessa... tenta passar a Serra Negra em dia de Agosto. O sol queima, e as dores apertam. Rola e relola-se, espargindo gritos de dor.
Nasce o filho debaixo de um sol que abafa e em cima de uma terra terrosa e escaldante.
Pariu um filho como um "Bicho": Só e ao relento. Morto.
Faz-lhe a cova. Regressa a casa. Segredo guardado e nunca partilhado.
Igual a um bicho.
Miguel Torga, provoca em nós ventos de inquietação que fustigam ou nos deitam por terra. Neste "conto" vai desenrolando o acontecimento em palavras duras, do quotidiano de cada homem daquelas terras e sem pedir licença chama às coisas pelos seus verdadeiros nomes. Coloca-nos no centro da controvérsia, para que, ninguém fique ausente do processo de PENSAR.
Afinal, a Madalena podia ter sido um Bicho (gata, cadela,...) neste episódio tão belo, que é o de parir um filho.
Mas será que nesse tempo e naquele lugar, ser mãe sem marido por perto, não corresponderia a uma cadela vadia ou a uma gata sem telhado? Bichos!
Madalena, a rapariga da aldeia que, pelo S.Martinho, tropeçara em castanhas e vinho e acabara rolando na palha com um homem, calcorreava agora, em pleno Verão, as penedias da serra para levar até