Nietzsche e o Anarquismo
2008
nietzsche e o anarquismo1 daniel colson*
A obra de Nietzsche, por sua coerência consigo própria, com suas figuras provocadoras e suas explosões contraditórias, autoriza um grande número de leituras e interpretações: por exemplo, uma leitura de extrema direita, a mais grosseira e comum; mas também, muito cedo e de modo aparentemente surpreendente, uma leitura e uma interpretação operária, anarquista e revolucionária. Durante muito tempo, o Nietzsche dos anarquistas foi interpretado — ao lado de Stirner — segundo o modelo do individualismo contemporâneo. Como se o eu anarquista e stirneriano, vivido e pensado a partir de uma “singularidade irredutível, sempre diferente dos outros e sempre remetido a si próprio em seu comércio (...) com os outros”2 pudesse, mesmo que por um instante, ser confundido com os indivíduos uniformes e sem qualidades da modernidade, esses indivíduos
* Professor na Universidade Jean Monnet de Saint-Étienne/França, pesquisador no Modys/CNRS, integrante da associação anarquista La Gryffe de
Lyon, autor de Petit lexique philosophique de l’anarchisme. De Proudhon à Deleuze.
Paris, LGF, 2001; Trois essais de philosophie anarchiste. Islam, histoire, monadologie.
Paris, Léo Scheer, 2004. verve, 13: 134-167, 2008
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Nietzsche e o anarquismo
dos estádios, dos dias de eleição, das grandes áreas, das viagens às Seychelles e dos loteamentos dos subúrbios, essas “bolas de bilhar patéticas” às quais se refere Gilles
Châtelet, dizendo que “cada esforço para se diferenciar provoca um maior soterramento numa grande equivalência.”3 É verdade que essa interpretação estreitamente individualista do Nietzsche dos libertários poderia, pelo menos para a França no início do século XX, valer-se de um certo número de figuras aparentemente sem grande relação com a dimensão coletiva e social do anarquismo e da história operária: Libertad e seu jornal
L’Anarchie, por exemplo, com sua violenta denúncia do