Natal
A única frase em questão é um capítulo de "Memórias Sentimentais de João Miramar", obra-chave da literatura oswaldiana. É um dos meus livros preferidos. Oswald é um dos poucos demolidores da literatura nacional. Ela sempre se renovou, é verdade. Mas poucos foram os momentos de grande ruptura com os modelos vigentes. Os concretistas fizeram isso também. Mas o grande boom coube a Oswald e seus colegas de modernismo. Na época, imperavam o parnasianismo e o simbolismo, além do sempre eterno romantismo. E o mundo mudava. Época de guerras pelo mundo, industrialização nos eixos brasileiros (principalmente a São Paulo de Oswald). Isso - essa velocidade que o mundo adquiria- precisava adentrar na literatura. Aí entra Oswald e seu estilo telegráfico.
Esse livro rompe com quase todos os esquemas tradicionais. Além disso, o enredo é uma grande risada frente a cara da burguesia paulista da década de 20: uma sociedade de aparências, num jogo de influências e falsidades. É o que mostra esse trechinho natalino. O narrador, João Miramar, avisa que no Natal, sua sogra foi avó. Poderia dizer "fiquei pai". Mas na sociedade patriarcal, afundada em moralismos, ganhar um neto é uma das poucas alegrias óbvias dos patriarcas das famílias. Dar um neto era, pois, mais uma obrigação do contrato familiar da boa família paulistana
Devo dizer que não é uma leitura fácil: muito da obra de Oswald hoje soa estranha para os leitores, que desconhecem as muitas referências à pessoas, aos tipos da sociedade e fatos da época do autor. O sarcasmo e bom humor de Oswald são, no entanto, universais. Não há como não rir da piada que João Miramar lança na última linha de suas memórias.