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É aventura temerária aquela do escritor que ainda hoje se atreve a embrenhar-se pelo sertão nordestino seguindo a trilha aberta pela literatura regionalista brasileira. Não porque seja ele território desconhecido, mas justamente pela razão contrária: a antiga terra ignota dos modernistas da primeira metade do século 20 já não parece guardar tantos mistérios assim. Já explorado em dúzias de obras, esse universo de geografia inclemente e tradições arcaicas carrega o risco de ser reproduzido segundo velhas e gastas fórmulas, obedecendo a um esquema gravado no imaginário coletivo. Que segredos o fim do mundo pode ainda guardar?
Faca, coletânea de contos do cearense Ronaldo Correia de Brito, é um dos livros que mais se aproximaram de responder a essa pergunta recentemente. E o faz de um modo bastante curioso: na superfície, não há nada nele que surpreenda. Ao longo de suas 11 narrativas, surgem as mesmas situações e personagens que a tradição literária tornou familiares: amores abismados até a morte, honra, traições, emboscadas, vendetas, valentões, bandidos e mulheres virilizadas em um mundo hostil e duro. Não falta nem mesmo, aqui e ali, a musicalidade daquela linguagem de coloquialismos estranhos, mas exatos na expressão de angústias e perigos, com seus “rastros de gemidos e desfeitas”, “dolorosos aboios” e “cerrações de unha-de-gato”.
Contudo, em cada uma dessas características conhecidas, Brito insere, com o cuidado de quem parece saber que nem tudo pode ser dito, os sinais que apontam para uma realidade que, não importa o quanto se pense decifrada, segue um ritmo que nos escapa. Nos enredos de Faca, predomina uma noção de atemporalidade que não é apenas aquela que se entrevê na persistência dos valores de um passado longínquo e na sucessão das horas mortas: ela está, sobretudo, numa espécie de fatalidade essencial, que