Montesquieu
J. A. Guilhon Albuquerque
A obra de Montesquieu constitui uma conjunção paradoxal entre o novo e o tradicional. Múltipla e guiada por uma espécie de curiosidade universal, parece estar em continuidade direta com os ensaístas que o precederam nos comentários sobre os usos e costumes dos diversos povos. Com traços de enciclopedismo, várias disciplinas lhe atribuem o caráter de precursor, ora aparecendo com o pai da sociologia, ora como inspirador do determinismo geográfico, e quase sempre como aquele que, na ciência política, desenvolveu a teoria dos três poderes, que ainda hoje permanece como uma das condições de funcionamento do Estado de direito. Dentro da história do pensamento, Montesquieu também ocupa posição paradoxal. Sua obra trata da questão do funcionamento dos regimes políticos, questão que ele encara dentro da ótica liberal, ambas problemáticas consideradas típicas de um período posterior. Além disso, Montesquieu é um membro da nobreza que, no entanto, não tem como objeto de reflexão política a restauração do poder de sua classe, mas sim como tirar partido de certas características do poder nos regimes monárquicos, para dotar de maior estabilidade os regimes que viriam a resultar das revoluções democráticas.
A percepção da história por uma classe social em ascensão tende a conceber como natural a sua função na organização da sociedade e o seu papel
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WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 14º ed. São Paulo, Ática, 2006.
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na estrutura do poder. Por isso Marx atribuía a historiadores de origem aristocrática uma percepção da natureza da sociedade burguesa que se revelava mais realística do que a dos economistas vinculados à nova classe em ascensão.
Não sei se raciocínio idêntico se aplicaria a Montesquieu, mas é certo que sua preocupação central foi a de compreender, em primeiro lugar, as razões da decadência das monarquias, os conflitos intensos que minaram sua