“Maquiavelismo, hobbesianismo e kantismo nas relações internacionais”1 (Versão para debate) Rafael Salatini (mestrando do DCP-FFLCH-USP)

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“Maquiavelismo, hobbesianismo e kantismo nas relações internacionais”1
(Versão para debate)
Rafael Salatini
(mestrando do DCP-FFLCH-USP)

1. A dupla face do Estado moderno

É consensual em todo o pensamento político moderno que o Estado, entendido como a “comunidade humana que reivindica, nos limites de um determinado território, o monopólio do uso legítimo da força” (clássica definição weberiana) – aquela instituição que iniciou sua formação no século XIV, com Portugal, e alcançou a plenitude de seu desenvolvimento, segundo Hegel, no século XIX, com o Estado prussiano (que ficou conhecido depois da segunda guerra mundial pela alcunha de Alemanha Oriental) –, é a principal, senão a única e verdadeira, forma de dominação política na modernidade. Tal tese, na filosofia política, vem desde de Maquiavel, que inicia seu O príncipe (1513) com a conhecida entonação de que “todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados” (I), até, digamos, Kelsen, que escreveu um livro intitulado Teoria geral do direito e do Estado (1944), passando por Kant, que entendia o Estado – em seu A metafísica dos costumes (1797) – como o “conjunto dos indivíduos numa relação jurídica” (§ 43), ou, dito de outra forma, “a reunião de uma multidão de seres humanos submetida a leis de direito ” (§ 45), e Hegel, que asseverava em seu Princípios da filosofia do direito (1821) que “o estado é a realidade em ato da Idéia moral objetiva, o espírito como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e si pensa, e realiza o que sabe e porque sabe” (§ 257). Outro ponto pacífico do pensamento político moderno trata-se da constatação de que a instituição estatal possui, assim como o deus romano Jano, duas faces, uma voltada para dentro (a política interna), e outra guinada para fora (a política externa), a primeira ligada aos súditos (antes da Revolução Francesa) ou cidadãos (depois daquela), a segunda voltada

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