Lutero e o Cânon multilado
2962 palavras
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Lutero e o cânon mutilado Dom Henrique Soares da Costa
A palavra cânon significa “vara de medir” e, depois, passou a significar “regra”, “norma”. Finalmente, adquiriu o sentido técnico que hoje lhe damos: é a coleção de livros divinamente inspirados reconhecidos pela Igreja e por ela tidos como infalível regra de fé e de vida prática em virtude de sua origem divina. Em outras palavras: são canônicos aqueles livros que a Igreja reconhece como sendo inspirados por Deus. Todos os livros canônicos são inspirados e não há livros inspirados por Deus fora dos livros canônicos! A coleção dos livros inspirados ou canônicos é chamada de Bíblia (em grego, “os livros”).
Até o século I da era cristã os judeus não tinham ainda uma lista definitiva e oficial dos seus livros inspirados. Vejamos: os saduceus e os samaritanos aceitavam somente os cinco livros de Moisés, ou seja, a Torah. Para eles os outros livros não eram inspirados. Os fariseus, por sua vez, aceitavam outros livros, mas somente escritos em hebraico. Já os judeus de Alexandria admitiam alguns outros livros escritos em grego pela comunidade judaica de língua grega ou traduzidos também do hebraico para o grego. Havia ainda os monges judeus de Qumran, que admitiam que o cânon bíblico ainda poderia crescer. Em todo caso, uma coisa é certa: não havia nenhuma palavra oficial do judaísmo sobre a questão da lista dos livros inspirados.
Era esta a situação quando surgiu o cristianismo: a Igreja não recebeu dos judeus um Antigo Testamento já formado, definido. Nada disso! Havia, ao invés, várias opiniões e listas de livros inspirados. E agora? Como os cristãos se posicionaram? A Igreja de Cristo, pouco tempo após a ressurreição, rompeu completamente com o judaísmo: a reunião dos Apóstolos em Jerusalém livrou os cristãos da obrigação de cumprir a Lei de Moisés, de modo que entre os judeus e a Igreja não havia mais nenhuma ligação. Além do mais, enquanto os judeus continuavam presos à raça, ao nacionalismo (Deus é