Leopoldina
Observação introdutória
A tarefa que me pediu o editor da presente coletânea era impossível de realizar: que eu traçasse, a partir das cartas de Leopoldina à família, um perfil psicológico da primeira Imperatriz do Brasil. O instrumental da psicanálise, único de que disponho para este fim, não nos dá acesso ao perfil psicológico de alguém que esteja fora do alcance da clínica; ou seja: alguém que não se possa escutar e interrogar de corpo presente, a quem não se possa pedir associações, lembranças, sonhos, em cuja fala não se possa captar lapsos e atos falhos.
Não se pode diagnosticar um personagem histórico como não se pode diagnosticar um personagem literário; considero este tipo de aplicação da teoria como uma espécie de crime de lesa psicanálise ou, no caso da literatura, que tanto prezo, crime de lesa literatura.
Por outro lado, é inegável que o sujeito do inconsciente também se revele na escrita. O que temos em mãos são cartas escritas ao longo de quase toda uma vida, desde os onze anos da princesa até as vésperas de sua morte, aos vinte e nove. A decifração não é fácil; não se trata de cartas confessionais, escritas no estilo romântico que virá a se desenvolver entre as elites urbanas da Europa e se incorporar ao gosto burguês, sobretudo na segunda metade do século XIX . Leopoldina não foi uma burguesa: foi uma princesa educada em uma das cortes mais tradicionais da Europa. A maior pare de suas cartas foi escrita em um tom protocolar cuja função é precisamente a de ocultar o sujeito da enunciação sob um enunciado formal. É o caso sobretudo da correspondência, sempre muito amorosa mas em moldes rigorosamente formais, com seu pai, Imperador Francisco I.
As cartas à irmã mais velha, Maria Luiza, são menos protocolares; mesmo porque o isolamento em que Leopoldina passou nos últimos anos de vida no Brasil fez dessa irmã sua única interlocutora confiável, e a comunicação com ela parece ter sido uma