LANDES, Ruth. 2002. A Cidade das Mulheres
A experiência etnográfica, incluindo as pesquisas de campo e os tradicionais "diários de campo" – onde os antropólogos registram suas primeiras sensações a partir dos encontros com os "nativos" e com o mundo do diferente e do "exótico" –, tem sido analisada como lugar privilegiado de construção da alteridade. Entretanto, uma outra dimensão se impõe ao revisitarmos alguns dos relatos etnográficos considerados clássicos: a dimensão do "eu" ou da subjetividade. Chamam a atenção, especialmente, as conexões estreitas desses relatos com o gênero do "diário" – espaço por excelência da memória social e de construção da subjetividade enquanto singularidade, muito próximo do gênero da "autobiografia". Desse ponto de vista, falar do outro é encontrar um lugar para falar de si próprio e para construir a si mesmo enquanto pessoa. O livro A Cidade das Mulheres, de Ruth Landes (1908-1991), agora em sua segunda edição no Brasil, incita a uma análise por esse viés. A trajetória da antropóloga americana – estimulada por seu mestre, Franz Boas, e por sua orientadora, Ruth Benedict –, da Universidade de Columbia para o Rio de Janeiro e a Bahia, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, é relatada na primeira pessoa. Suas impressões, sensações, emoções e sentimentos são expostos em uma narrativa em que é privilegiada a idéia do encontro com o outro, do qual ela retira o material para produzir sua obra. O falar de si e o construir a si mesma nessa narrativa tornam-se indissociáveis da produção do texto, na contramão de uma tradição hegemônica nas ciências sociais que bane a primeira pessoa dos relatos científicos e, como assinalou Walter Benjamin, substitui a experiência pela informação e a narrativa pela história. A Cidade das Mulheres, escrito na contramão das tendências científicas vigentes no final da década de 40, significou a revitalização do estilo narrativo, contribuindo também para a construção