Lalala
Segunda-feira, 9 de setembro de 2002
"Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!" (C.D.A.)
A verdade dividida
Carlos Drummond de Andrade
100 anos: 1902-2002
A porta da verdade estava aberta mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Este poema apareceu inicialmente no livro Corpo, de 1984, um ano antes da publicação de Contos Plausíveis, de onde foi extraída esta versão. Entre as duas edições há ligeiras mudanças. Vale a pena observar essas alterações porque elas sempre revelam um pouco dos métodos de composição do poeta.
Em Corpo, o título era "Verdade". Talvez o autor tenha achado esse título um tanto pretensioso e atenuou essa possibilidade, mudando-o para "A Verdade Dividida". No terceiro verso da terceira estrofe, o que era "seus fogos", passou a ser "os seus fogos". Na mesma estrofe, o que antes era "metades" transformou-se em "duas metades".
Na última estrofe, em lugar de "perfeitamente bela", como se lê ao lado, estava "totalmente bela". O trecho "E carecia optar" evoluiu para "E era preciso optar". A frase final permaneceu a mesma, mas a palavra "conforme" pertencia, antes, ao penúltimo