kika do sonho
Gramática
Material das Aulas 1 a 6
REGÊNCIA VERBAL
O dia de não saber
1
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Andei uns dias com uma tristeza e um desânimo sem razão que eu pudesse detectar, mas que me sobrevoavam como ave agourenta. Eu a mandava embora, ela depressa voltava. Fiz meus cálculos: filhos, netos e marido bem, saúde boa, trabalho bastante, ainda dando para pagar as contas. Mas eu me sentia doente.
“Exames, consultas, tudo ótimo, você vai fácil aos 100”, tranquilizou o médico amigo. Mas eu me sentia doente e nunca fui de hipocondrias. “Repouse um pouco. Pegue leve”, ele disse. Obedeci. Em lugar de saltar da cama antes das 7, preparar o café, tomá-lo na sala enquanto assistíamos ao noticioso, fiz o que eu, brincando, chamei de “vida de celebridade”: ficava até mais tarde na cama, às vezes o marido até trazia a simpática bandejinha. Procurei controlar minha natural ansiedade, nada de me preocupar com tudo e com todos. Mais contemplativa, do jeito que na verdade eu gosto.
E aos poucos melhorei. Um dia acordei, e tinham-se ido os sintomas e a tristeza. Levei algum tempo para entender o que se passava: nos meus dias de preguiça deixei de ler os jornais e assistir aos noticiosos logo de manhã. Que santo remédio para meus males. Pois o que se lê ou vê não deveria ser o primeiro alimento da alma, ao menos imagino eu.
Então retomei meu ritmo antigo bem de mansinho. Abro jornais e vejo noticiosos perto do meio-dia (assim também perco a fome e os quilos necessários). Pois o que vemos, lemos, ouvimos é mais de 90% deprimente, se não assustador. Lembrei-me de um senador da República, Jefferson Péres, dizendo que deixaria sua cadeira no
Senado “com profundo desalento” pelo que ocorria neste país. Um dos raros pilares da grandeza e da ética, ele morreu em
2008, do coração, se não me engano em sua casa em seu estado natal. Não deve ser grave erro atribuir essa morte, em parte, ao peso daquele desalento