humanismo
...parece que só o ser humano é capaz de se mostrar realmente diabólico (Luc Ferry)
Se eu tivesse de conservar um texto da filosofia moderna, um texto a ser levado para uma ilha deserta, como se diz, seria ele, sem dúvida, que escolheria: trata-se de uma passagem do Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, que Rousseau publicou em 1755. Vou citá-lo daqui a pouco, para que você possa lê-lo e meditar sobre ele sozinho.
Mas, para compreendê-lo bem, é preciso primeiramente que você saiba que, na época de Rousseau, existiam dois critérios clássicos para distinguir o animal do homem: de um lado, a inteligência; de outro, a sensibilidade, a afetividade, a sociabilidade (o que inclui também a linguagem).
Para Aristóteles, por exemplo, o homem é definido como “animal racional, quer dizer, como um ser vivo (o ponto em comum com os “outros” animais), certamente, mas que teria, além disso (sua “diferença específica, uma característica própria: a capacidade de raciocinar.
Para Descartes e os cartesianos, não apenas se mantém o critério da razão e da inteligência, mas se acrescenta o da afetividade: para Descartes, de fato, os animais são comparáveis a máquinas, a autômatos, e é um erro acreditar que tenham sentimentos — o que explica, aliás, que não falam por falta de emoções a exprimir, conquanto disponham de órgãos que lhes permitiriam fazê-lo.
Rousseau vai além dessas distinções clássicas, ao propor outra, até então inédita sob essa forma (embora se encontrem vez por outra, por exemplo, em Pico dela Mirandola, no século XV, algumas antecipações). Ora, é essa nova definição do humano que vai se revelar verdadeiramente genial, no sentido em que vai possibilitar identifciar o que, no homem, permite fundar uma nova moral, uma ética não mais “cósmica” ou religiosa, mas humanista — e até, por mais estranho que possa parecer, um pensamento