estrutura
TEXTO NARRATIVO – CONTO
Profª: Helena Bernardo
Venha ver o pôr-do-sol
ELA subia sem pressa a longa e tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhas em vastos terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A cantiga infantil, débil e monótona, era a única nota viva na quietude da tarde.
Ele a esperava negligentemente encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, com seus cabelos crescidos e um pouco desalinhados, tinha o aspecto jovial, de um estudante.
- Minha querida Raquel…
Ela lançou-lhe um olhar oblíquo. Em seguida olhou para os próprios sapatos.
- Que lama I Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que ideia, Ricardo, que ideia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
-Jamais, não é? -perguntou ele sorrindo entre malicioso e ingénuo. - Pensei que você viesse vestida mais desportivamente e agora me aparece nessa elegância…Quando você andava comigo, usava sempre uns sapatões de salto baixo, lembra?
Ela guardou as luvas na bolsa. Tirou um cigarro.
- Foi para me perguntar isso que me fez vir aqui? Foi?
- Ah, Raquel!... - E ele tomou-a pelo braço, rindo. - Você está uma beleza! Eu precisava mesmo rever toda essa beleza, sentir ainda uma vez esse perfume…E então? Fiz mal?
-Está bem, mas podia ter escolhido um outro lugar, não? -Suavizara o tom da voz. - E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Deteve o olhar no largo portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- É um cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Até os fantasmas desapareceram, olhe só, nem as criancinhas têm medo -acrescentou indicando as crianças rodando na sua ciranda tranquila.
Ela tragou lentamente. E soprou a fumaça na cara lisa e franca do companheiro.