EM BUSCA DA “VERDADE REAL”: TORTURA E CONFISSÃO NO BRASIL ONTEM E HOJE
11058 palavras
45 páginas
Joana Domingues Vargassociologia&antropologia | v.02.03: 237– 265, 2012
EM BUSCA DA “VERDADE REAL”:
TORTURA E CONFISSÃO NO BRASIL ONTEM E HOJE*
1. Gravura do século XVIII representando a aplicação do thumb-screw a um suspeito.
em busca da “verdade real”: tortura e confissão no brasil ontem e hoje
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Introdução
O viajante John Luccock, arguto observador da situação da capital do Brasil quando da chegada da família real, ilustra como eram, à época, as práticas de investigação policial no Rio de Janeiro. Comerciante inglês, Luccock relata um furto sofrido por ele e um amigo residente em sua casa, ocorrido no início de sua estadia de dez anos no país. Tendo as suas escrivaninhas furtadas e desesperados para reavê-las e resgatar os vários papéis e documentos comerciais que com elas haviam sido levados, ele e o amigo chegam, por dedução, a um suspeito: um mulato carpinteiro que havia realizado serviços na casa. 1
Como àquela época acabara de ser criada a Intendência Geral de Polícia, dirigem-se, sem perda de tempo, ao “gabinete do Ministro da Polícia” 2 munidos de evidências levantadas contra o carpinteiro, tidas por eles como bastante satisfatórias. O desdobramento da rápida iniciativa é frustrado, porém, com a resposta dada à solicitação que fazem de audiência com o intendente: “[...] sua excelência acha-se repousando e não poderia ser incomodada antes das cinco da tarde” (Luccock,1975: 91). Exasperados com o tempo ganho pelo suspeito, permitindo-lhe esconder ou dar fim aos produtos do furto, mas sem nada a fazer a não ser esperar, Luccock e o amigo conformam-se em retornar no horário agendado. À hora da esperada audiência, registra o viajante que ambos foram recebidos e tratados com muita amabilidade pelo ministro 3 e que este, depois de ouvi-los, pediu-lhes para retornarem dali a oito dias.
Oito dias depois, na segunda audiência com o intendente, Luccock e seu companheiro são informados da prisão do carpinteiro na noite que se