Do flâneur ao zappeur
4092 palavras
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DO FLÂNEUR AO ZAPPEURAs Técnicas de Reprodução e Produção de Imagens em João do Rio e João Gilberto Noll
Alexandre Faria – PUC-Rio
(Texto publicado originalmente em Qvinto Imperio - Revista de Cultura e Literaturas de Língua
Portuguesa, Salvador, v. 1, n. 10, p. 101-111, 1998)
Poi piovve dentro a l’alta fantasia. (DANTE: “PURGATÓRIO”; XVII, 25)
1. VISIBILIDADE
Em Seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino relaciona a visibilidade entre os valores literários que devem ser preservados para além do final deste século. O autor discorre, no capítulo “Visibilidade”, sobre a fantasia, o sonho, a imaginação, a partir de algumas imagens que retira d’A divina comédia. Compara as imagens criadas por Dante a projeções cinematográficas ou recepções televisivas. Em seguida, Calvino distingue dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva, exemplificado pela leitura e o que parte da imagem visiva para chegar à expressão verbal. (Calvino: 1990, p. 99). Cria-se assim um movimento cíclico em que não se sabe se a capacidade imaginativa está na origem da expressão verbal, ou vice-versa: No cinema a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida reconstruída em sua coporeidade num set, para ser finalmente fixada em fotogramas de um filme. (Calvino: 1990, p. 99) Antes mesmo da invenção do cinema, portanto, a relação do homem com as imagens já se apresentava plena. Por outro lado, os avanços das técnicas de reprodução e produção de
2 imagens − que tiveram início no século XIX, com a litografia1 e, em seguida, com a fotografia, e continuaram se desenvolvendo no século XX com o cinema e, mais tarde, com o vídeo − não só promoveram mudanças definitivas nas formas de reprodução imagística tradicionais como a pintura, mas também instauraram modificações radicais na expressão verbal, especificamente na literatura. O próprio Calvino, ao optar pela