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O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) foi o texto que inaugurou o padrão moderno nas letras nacionais. Bebendo nas àguas tanto do realismo quanto do romantismo, com influência de prosadores ingleses e franceses do século 18, mas, sobretudo, escrevendo com grande independência e originalidade, Machado de Assis criou com este livro a ponte que uniu o passado ao futuro na nossa literatura.
A razão para esse salto qualitativo deve ser buscada nas inovações formais deste romance, o primeiro da chamada fase realista de sua obra. A história é simples, até corriqueira. Brás Cubas, legítimo representante da nossa oligarquia patriarcal, vive sua vida e morte. Na condição privilegiada de autor-defunto ou de defunto-autor, decide escrever suas memórias. Nosso herói corteja uma jovem humilde; é designado pelo pai a uma moça rica, que, porém, se casa com outro e depois cai nos braços de Brás; torna-se deputado, mas não consegue virar ministro. Também faz amizade com um antigo companheiro de colégio, Quincas Borba, que inventa uma teria pseudofilosófica chamada humanitismo, arremedo das teorias cientificistas em moda na época. Brás sonha lançar no mercado um emplastro milagroso, um suposto tônico anti-hipocondríaco que lhe traria fama, mas morre antes de concretizar essa meta.
O enredo, portanto, não gera maior interesse. O que está em jogo é a maneira como a narrativa é alinhavada, num ágil ir e vir típico do movimento da memória, em que os fatos vêm intercalados por comentários, alusões e citações; tudo isso embalado por uma nuvem de humor melancólico. É nessa forma, incomum para a época, que precisamos buscar as chaves para a interpretação do romance. Como nas narrativas modernas, o que interessa não está exatamente na história, mas no que se encontra por baixo, no subentendido, nas camadas ocultas de significado. Os críticos atuais de Machado de Assis gostam de chamar esse exame em profundidade de “leitura a contrapelo ou ao arrepio”. Ao pé da letra,