Discursos que se estranham e estranhos discursos rumo ao progresso em “Como era gostoso o meu francês”
Uma voz em off anuncia as últimas notícias da França Antártica enviadas pelo almirante Villegagnon ao líder protestante Jean Calvin. O tom vivaz da narrativa parece referir-se a um acontecimento contemporâneo, no entanto o conteúdo e a data, 31 de março de 1557, revelam uma espécie de anacronismo mediático:
O país é deserto e inculto, não há casas, nem tetos, nem acomodações de campanha. Ao contrário, há muita gente arisca e selvagem sem nenhuma cortesia ou humanidade, muito diferente de nós em seus costumes e instrução, sem religião e sem o conhecimento da honestidade e da virtude, do justo e do injusto. Verdadeiros animais com figuras de homens. A ritmada narrativa da carta é justaposta às imagens do encontro do povo indígena Tupinambá com um grupo de conquistadores e mercenários franceses. O negativo relato do almirante contrasta com a cena de belas mulheres nuas oferecendo alimentos aos franceses, enquanto os homens do povoado conversam amistosamente com o grupo recém chegado. A música é clássica e a paisagem idílica. O estranhamento entre as imagens e discurso colonial está presenta não somente na primeira cena de “Como era gostoso o meu francês”, mas em todo o filme. Além do narração da carta de Villegagnon, o filme conta também com oito fragmentos de cartas de conquistadores, religiosos e administradores ilustres sobre o encontro e a relação desses com os povos de cultura Tupi durante o século XVI. Esses textos estão distribuídos na obra entre cenas e aparecem em caixas de texto demarcando tematicamente acontecimentos e estimulando uma reflexão sobre discursos oficiais modernizantes e a formação da identidade brasileira.
Exibido em 1971, no auge da repressão da ditadura militar no Brasil, Nelson Pereira do Santos utiliza em “Como era gostoso o meu francês” recursos como a intertextualidade, pastiche e distanciamento histórico (sendo este