Das tres metamorfoses
O funcionamento circular das três metamorfoses do espírito é o elemento chave para compreender o que é verdadeiramente o viver da filosofia nietzschiana. A plenitude do viver só é alcançada quando o espírito compõe sentido, unidade, em sua vida. O camelo, o leão e a criança. As três etapas são concomitantemente e igualmente imprescindíveis para a criação do valor. Valor este que nada mais é do que a necessidade de afirmação de si como ser, é vontade de poder.
Para isso, torna-se primordial o espírito sustentar o pesado, o mais pesado. Mas o que é esse pesado? Pesado é a moralidade, é ter fé, é seguir a tradição. E quem carrega o peso? Quem poderia ser, senão o camelo? O camelo é aquele que carrega, venera o peso e o convida às suas costas. O camelo é aquele que se ajoelha e trata disso sua virtude, sacraliza sua dor. Sua solidão é seu caminho. E nessa solidão mais solitária, no deserto mais distante e desolado, ocorre a segunda metamorfose.
Chega então a libertação. A libertação é enfrentar o pesado. É arrebentar as amarras da tradição. É lutar contra o dragão, a grande serpente. O único capaz de enfrentar o dragão da valoração é o leão, o animal de rapina. Leão é o sagrado dizer-não. Nega tudo que já havia sido dito. Rompe com toda a hereditariedade do saber. Em seu ápice questionador, questiona até o próprio questionamento. Por que por que? A resposta é simples. O ser questiona para criar um novo mundo, o ser quer o seu mundo. Mas o leão não é capaz de tal façanha. A partir daí, surge a terceira metamorfose.
Aparece a criança. O que tem a criança a criança que o leão não pode ter? A criança é a inocência. Ela desconhece os antigos valores, os antigos desejos, os antigos sofrimentos. Ela tem a ingenuidade fundamental para a criação. E o que é essa criação? É a vida que inclui dor. O agir do novo ser é o sagrado dizer-sim. Porém, essa criança envelhece. A partir de sua criação surge uma nova veneração. E a aceitação dessa nova tradição é o