dalton travision
907 palavras
4 páginas
ApeloDalton Trevisan
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, SenhoraApelo de Dalton Trevisan .
O conto em questão sustenta-se e reflete uma realidade que conhecemos bem. A revolução social, que teve a mulher como protagonista nas últimas, décadas do século XX mudaram um pouco este quadro, é verdade. A mulher cada vez mais invadiu o universo masculino (por necessidade e aspirações de auto-realização) e acumulou uma dupla jornada de responsabilidades: dentro e fora de casa. Como bem sabemos, as condições econômicas implicam alterações nas condições sociais e foi justamente isto que ocorreu. O homem, aqui reduzido às contingências genéricas, no entanto, ainda não soube alocar-se (Coisa da cultura e modos. Negligência e conveniência diriam as feministas) à perda da hegemonia: não é mais o único provedor, mas continua se comportando como se o fosse. Este quadro parece-nos, corresponde ao background do conto com mais força que a realidade do século XXI, mas a contradição ainda