Contos de Rubem Braga
Foi há muito tempo, no Mediterrâneo, ou numa praia qualquer perdida na imensidão do Brasil? Apenas sei que havia sol e alguns banhistas; e apareceram duas meninas de vestidos compridos - o de uma era verde, o da outra era azul. Essas meninas estavam um pouco longe de mim; vi que a princípio apenas brincavam na espuma; depois, erguendo os vestidos até os joelhos, avançaram um pouco mais. Com certeza uma onda imprevista as molhou; elas riam muito, e agora tomavam banho de mar assim vestidas, uma de azul, outra de verde. Uma devia ter 7 anos, outra 9 ou 10; não sei quem eram, se eram irmãs; de longe eu não as via bem. Eram apenas duas meninas vestidas de cores marinhas brincando no mar; e isso era alegre e tinha uma beleza ingênua e imprevista. Por que ressuscita dentro de mim essa imagem, essa manhã? Foi um momento apenas. Havia muita luz, e um vento. Eu estava de pé na praia. Podia ser um momento feliz, e em si mesmo talvez fosse; e aquele singelo quadro de beleza me fez bem; mas uma fina, indefinível angústia me vem misturada com essa lembrança. O vestido verde, o vestido azul, as duas meninas rindo, saltando com seus vestidos colados ao corpo, brilhando ao sol; o vento... Eu devia estar triste quando m as meninas, mas deixei um pouco minha tristeza para mirar com um sorriso a sua graça a sua felicidade. Senti talvez necessidade de mostrar a alguém - veja, aquelas duas ninas... " Mostrar â toa; ou, quem sabe, para repartir aquele instante de beleza como quem reparte um pão, ou um cacho de uvas em sinal estima e de simplicidade; em sinal de comunhão; ou talvez para disfarçar minha silenciosa angústia. Não era uma angústia dolorosa; era leve, quase suave Como se tivesse de repente o sentimento vivo de que aquele momento luminoso era precário e fugaz; a grossa tristeza da vida, com seu gosto de solidão subiu um instante dentro de mim, para me lembrar que eu devia feliz naquele momento, pois aquele momento ia passar. Foi talvez para fixá-lo,