CHAUI, Marilena, Convite à Filosofia. Ática: SP, 2003
Por Ter um poder semelhante ao dela, Neo sempre deconfiou de que a realidade não era exatamente tal como se apresentava. Sempre teve dúvidas quanto à realidade percebida e secretamente questionava o que era a Matrix. Os atenienses achavam, por exemplo, que sabiam o que era justiça. Os atenienses acreditavam que sabiam o que significava a coragem. Os atenienses acreditavam também que sabiam o que eram a bondade, a beleza, a verdade, mas um prolongado diálogo com Sócrates os fazia perceber que não sabiam o que era aquilo em que acreditavam.
A pergunta “O que é?” era o questionamento sobre a realidade essencial e profunda de uma coisa para além das aparências e contra as aparências. Sócrates era filho de uma parteira. Assim cimo sua mãe lidava com a matrix corporal, ele lidava com a matrix mental, auxiliando as mentes a libertar-se das aparências e buscar a verdade.
Como os de Neo, os combates socráticos eram também combates mentais ou de pensamento. E enfureceram de tal maneira os poderosos de Atenas que Sócrates foi condenado à morte, acusado de espalhar dúvidas sobre as idéias e os valores atenienses, corrompendo a juventude.
O paralelo entre Neo e Sócrates não se encontra apenas no fato de que ambos são instigados por “espíritos” que os fazem desconfiar das aparências nem apenas pelo encontro com um oráculo e o “Conhece-te a ti mesmo” e nem apenas porque ambos lidam com matrizes. Podemos encontrá-lo também ao comparar a trajetória de Neo até o combate final da Matrix e em uma das mais célebres e famosas passagens de um escrito de um discípulo de Sócrates, o filósofo Platão.