Ces Rio Verde
A dicotomia cidade/campo é a raiz estruturante de toda a obra de Cesário
C. é o poeta da cidade cuja pintura é feita, subtilmente, em oposição à visão paradisíaca do campo.
É possível afirmar que a oposição cidade/campo percorre toda a poesia cesariana, constituindo uma espécie de eixo estruturante. Em Nós, a cidade doentia, dominada pela morte contrasta com um campo salutar, pleno de vida. A hortaliceira, carregando a giga (“retalho de horta”), cuja pujança contamina o poeta (Num Bairro Moderno), e o “cheiro salutar” da padaria sentido num beco escuro no mesmo poema, são exemplos retirados de poemas dominados pela cidade, mas em que a força do campo sempre irrompe.
O poder transfigurador da poesia A poesia de C. revela o poder transformador da subjetividade poética face ao real. Na verdade, em muitos poemas, C. deixa-se levar pelo seu “eu”, realizando fugas imaginativas, transfigurando o real, ou partindo para outros espaços e outros tempos. Assim, Num Bairro Moderno, os legumes e os frutos da cesta da hortaliceira transformam-se nu corpo feminino, em O Sentimento dum Ocidental, no espaço doentio da cidade, o sujeito poético anseia partir para as grandes metrópoles, julga ver as caravelas, os feitos heroicos contra os mouros, ou relembra Camões nadando para salvar Os Lusíadas. C. é então aquele que, “ao pintar quadros por letras, por sinais”, constrói um outro real, não ignorando, nem esquecendo, contudo a realidade envolvente.
A questão social Os versos cesarianos “A mim o que me rodeia é o que me preocupa” induzem a questão social na lírica do poeta. Na verdade, o poeta deixa que a sua simpatia face ao povo miserável e explorado percorra mutos dos seus textos. Assi, as varinas, a hortaliceira, a engomadeira doente e esfomeada, os calceteiros, os operários, os padeiros, o leiteiro, os camponeses e muitas outras personagens constituem uma galeria de tipos populares que o poeta apresenta numa dupla perspetiva: por um lado, são explorados,