Carta de voluntariado
Rodrigo,
Apelo-te ao bom senso, nesta altura crítica. Sei que ultimamente tenho andado distante e sei também que isso nos afastou de uma maneira que, há três meses atrás, seria o cúmulo do impossível. Peço-te, do fundo do meu coração, que leias esta espécie de apelo até ao fim e que reflitas, não pensando em mim, mas nas centenas que precisam da tua ajuda. Como é do teu conhecimento, juntei-me recentemente à organização internacional de saúde “Médecins Sans Frontières” e, no âmbito do avanço do Ébola, decidi constituir uma equipa de dez médicos voluntários com destino a Serra Leoa. Já cá estamos há um mês e conseguimos estabilizar a situação, que inicialmente era extremamente preocupante. Existem cerca de oitenta contagiados (que já se encontram a receber tratamento), porém duas mortes não conseguimos evitar. Acho que não necessito fazer-te nenhuma introdução teórica à cerca deste vírus letal, pois reconheço as tuas indiscutíveis qualidades profissionais, mesmo não o demonstrando. Nos primeiros dias em que cá cheguei, o pânico era o cheiro que se sentia na rua. Gritos e choros de diferentes frequências eram como uma espécie de música ambiente, algo que me fez lembrar um verdadeiro cenário de guerra. Mal chegámos ao centro de apoio, muitos já nos esperavam, sentados ou até deitados no chão que teria sido lavado pela chuva. Primeiramente, demos prioridade aos casos mais extremos. Casos estes deveras arrepiantes (como poderás ver nas fotos que, juntamente com esta carta, te envio). As marcas físicas deixadas pela epidemia nos infetados eram decerto apavorantes, porém, as sequelas psicológicas com que o vírus manchava os pensamentos dos doentes, esses sim, eram seriamente aterrorizadores. Gravemente preocupantes. Sinceramente inquietantes. Reconheço que as chances de sobreviver ao Ébola são baixas porém, a esperança é a última a morrer! Pelo menos, deveria ser assim…