Canção do exílio mais recente

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CANÇÃO DO EXÍLIO MAIS RECENTE para Fernando Gabeira
1 Não ter um país a essa altura da vida, a essa altura da história, a essa altura de mim, – é o que pode haver de desolado. É o que de mais atordoante pode acontecer ao pássaro e ao barco presos desde sempre à linha do horizonte. Desde menino previvendo perdas e ansiedades admitia as mobília em mudança, galinhas mortas na cozinha, o incêndio em plena casa e a infância com os amigos se afogando. Mas sobre país eu pensava ser como pai e mãe: para sempre. País era o quintal e a horta a alimentar a mim e aos filhos com a sempre zelosa sopa do jantar. País era como a Amazônia: desconhecimento da gente ou como o São Francisco: inteiramente pobre e nosso. Hoje meu pai, cansado, já se foi minha mãe, com fé, já se prepara e a horta se não se deu às pragas – já foi toda cimentada. Meus irmãos estão dispersos. Já não conversamos como adolescentes debruçados sobre o sexo das tardes. No entanto, há muito elaboro as perdas e sigo a metamorfose das nuvens. Vi os corpos mais amados se escoando no lençol depois de ter sentido a fé fanar-se, digamos: – ao mais leve frêmito carnal. E após tensa geografia caseira como pai e mãe, seis filhos ma mesma mesa e igreja, ano após ano, pasmo percebo que meus irmãos iam-se partindo como aqueles que, mais tarde, num gesto guerrilheiro foram domar o dragão do castelo e a cidadela a tropeçar nas celas e fronteiras e a fenecer exílios e quimeras.
2 Ter ou não ter: – eis o sertão a lei do cão, de Lampião – embora Padinho Cícero e seu sermão. Que tudo é deles que me têm, detêm, retêm o meu direito e o passaporte, a identidade e os impostos e o medo com que abro a porta, que tudo é deles: o arado e a bosta do prado, a colheita e o mofo do pão, o berro-boi contido e o ferro em brasa – com que me marcam a canção, que tudo é deles: os rios com seus mangues, os picos da neblina assassina, os pedágios da impotência e a inclemência nordestina. País. Como encontrar-se num, se mesmo o nosso quarto

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