Brincar com fogo - Machado de Assis
I
Lúcia e Maria chamavam-se as duas moças. A segunda era antes conhecida pelo diminutivo Mariquinhas que neste caso estava perfeitamente com a estatura da pessoa.
Mariquinhas era pequenina, refeitinha e bonitinha; tinha a cor morena, os olhos pretos, ou quase pretos, mãos e pés pouco menos invisíveis. Entrava nos seus dezoito anos, e contava já cerca de seis namoros consecutivos. Atualmente não tinha nenhum.
Lúcia era de estatura meã, tinha olhos e cabelos castanhos, pés e mãos regulares e proporcionados ao tamanho do corpo, e a tez clara. Deitava já pelas costas os dezoito e entrava nos dezenove. Namoros extintos: sete.
Tais eram as duas damas de cuja vida vou contar um episódio original, que servirá de aviso às que se acharem em iguais circunstâncias.
Lúcia e Mariquinhas eram muito amigas e quase parentas. O parentesco não vem ao caso, e por isso bastará saber que a primeira era filha de um velho médico — velho em todos os sentidos, porque a ciência para ele estava no mesmo ponto em que ele a conheceu em 1849. Mariquinhas já não tinha pai; vivia com sua mãe, que era viúva de um tabelião.
Eram íntimas amigas como disse acima, e sendo amigas e moças, eram naturais confidentes uma da outra. Namoro que uma encetasse era logo comunicado à outra. As cartas eram redigidas entre ambas, quando se achavam juntas ou simplesmente comunicadas por cópia no caso contrário. Algum beijo casual e raro que uma delas houvesse colhido ou concedido não deixava de ser contado à outra, que fazia o mesmo em idênticas circunstâncias.
Os namoros de que falo não eram com intenções casamenteiras. Nenhuma delas se sentia inclinada ao matrimônio — pelo menos, com os indivíduos escolhidos. Eram passatempos, namoravam para fazer alguma coisa, para ocupar o espírito ou simplesmente debicar o próximo.
Um dia a coisa seria mais grave, e nesse caso as confidências seriam menos freqüentes e completas. Tal dia porém não chegara ainda, e as duas moças