Bem eo mal
A filosofia é, desde sempre, o ambiente de encontro dos mais variados pensamentos. Ela é a indústria da criação e da modificação dos conceitos, e um conceito é aquilo que determina o modo como interpretamos qualquer acontecimento. Necessitamos deixar claro que não é a filosofia quem diz algo sobre alguma coisa. A filosofia não diz nada, ela se cria a partir do que é dito por aqueles que com competência têm o privilégio de serem os transmissores dos mais elevados modos de aparição do ser, do não ser e do devir, sempre isso expressado em forma de discurso.
É desde a antiguidade que os sábios se ocuparam com as vias do pensamento, gravando na história um processo de desenvolvimento ininterrupto da arte de interpretação. Os conceitos de Bem e Mal estão essencialmente circunscritos nesse processo histórico de meditação pensante. Bem antes da era cristã, vislumbramos estudiosos que se detinham com esses conceitos. Não é possível, contudo, em um curto espaço de tempo, identificar todos os que se envolveram com a questão do Bem e do Mal. Traçaremos um perfil histórico, digase de passagem, bastante resumido, da relação conceitual entre Bem e Mal.
PRÉ-SOCRÁTICO
Encontramos no pensamento de dois présocráticos as duas linhas do desenvolvimento pensante que desejamos apresentar aqui para os conceitos de Bem e Mal. Em Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), propriamente não está dito que o Mal seja o ser das coisas. Mas está dito que a natureza se comporta de apenas um modo, a maneira da discórdia: "É preciso saber que o combate é o-que-é-com, e justiça [é] discórdia, e que todas [as coisas]vêm a ser segundo discórdia e necessidade." Isso que Heráclito diz ser o-que-é-com podemos entender como o caráter comum de tudo o que é. O caráter comum, portanto, é a discórdia, o combate, conceitos que podemos aproximar ao conceito Mal, porém, ainda não podemos identificá-los nem confundi-los com este, justamente porque não está aqui expressa nenhuma oposição entre discórdia e bem.