Artigo Leitura E Memoria Fabricio Silveira
Fabrício José Nascimento da Silveira
A criança está doente.
A mãe a leva para cama e se senta ao lado.
E então começa e lhe contar histórias.
Como se deve entender isso?
Walter Benjamin
Ao projetar uma resposta para a questão acima levantada, Walter Benjamin1 evoca argumentos oriundos de uma longa tradição edificada em torno do poder curativo das palavras.
Para o filósofo, a mãe conta histórias porque estas, em confluência com os gestos que as encenam, engendrariam “o clima propício e a condição mais favorável de muitas curas”. Além disso, ao comparar a dor com uma barragem que se opõe à corrente da narrativa, o pensador visualiza neste ato de acentuado carinho materno uma força capaz de “largar tudo o que encontra em seu caminho ao mar do ditoso esquecimento”.
Potencialidade alcançada porque, ao dispor de alma, olho, mão e ouvido em um mesmo campo de percepção e de ação, a mãe, em seu rito narrativo, seria capaz de mobilizar uma conjunção de forças simbólicas que agiriam umas de maneira clara, outras obscuramente.
Condições moduladas por meio de práticas que, segundo a filosofia benjaminiana, aproximariam aquele que narra de seu ouvinte: “laço da voz e do gesto, que age tão logo é pronunciada e por sua própria pronunciação, palavra definitiva do rei arcaico que instaura justiça, mas, sobretudo palavra fascinante e mágica do poeta que provoca, a seu bel-prazer, lágrimas e risos no mais virtuoso dos homens”.2 É em consonância com estas proposições que nos tornamos aptos a visualizar as narrativas como universos portadores de uma dimensão do saber capaz de
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BENJAMIN. Conto e cura, p. 269.
GAGNEBIN. Narrar e curar, p.11.
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transformar a vida em trabalho permanente de reelaboração emotiva, de repensamento do acontecido, em espaços de liberdade. Liberdade experenciada, em grande medida, graças aos movimentos sinuosos da memória.
De fato, este suposto poder que se encontra associado à voz