APOST
Existe um domínio da vida que pode ser entendido como vida por excelência: é a vida do cotidiano. É no cotidiano que tudo flui, que as coisas acontecem , que nos sentimos vivos, que sentimos a realidade. Neste instante estou lendo um livro de Psicologia, logo mais estarei numa sala de aula fazendo uma prova e depois irei ao cinema. Enquanto isso, tenho sede e tomo um refrigerante na lanchonete da faculdade; sinto um sono irresistível e preciso de muita força de vontade para não dormir em plena aula; lembro-me de que havia prometido chegar cedo para o almoço. Todos esses acontecimentos denunciam que estamos vivos. Já a ciência é uma atividade eminentemente reflexiva. Ela procura compreender, elucidar e alterar esse cotidiano, a partir de seu estudo sistemático. Quando fazemos ciência, baseamo-nos na realidade cotidiana e pensamos sobre ela. Afastamo-nos dela para refletir e conhecer além de suas aparências. O cotidiano e o conhecimento científico que temos da realidade aproximam-se e se afastam: aproximam-se porque a ciência se refere ao real; afastam-se porque a ciência abstrai a realidade para compreendê-la melhor, ou seja, a ciência afasta-se da realidade, transformando-a em objeto de investigação – o que permite a construção do conhecimento científico sobre o real. Para compreender isso melhor, pense na abstração (no distanciamento e trabalho mental) que Newton teve de fazer para, partindo da fruta que caía da árvore (fato do cotidiano), formular a lei da gravidade (fato científico). Ocorre que, mesmo o mais especializado dos cientistas, quando sai de seu laboratório, está submetido à dinâmica do cotidiano, que cria sua próprias “teorias” a partir das teorias científicas, seja como forma de “simplificá-las” para o uso no dia-a-dia, ou como sua maneira peculiar de interpretar fatos, a despeito das considerações feitas pela ciência.