Amor
Embrutecimentopatia
Mário César Ferreira
Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília,
Pós-doutorado na Université Paris 1 Sorbonne. E-mail: mcesar@unb.br
A
cena de trabalho se passa numa maternidade conceituada do Distrito
Federal. Com a roupa apropriada e ajuda dos auxiliares técnicos, a futura mamãe chega à mesa de parto. As condições ambientais, técnicas e instrumentais para início da cesariana prevista são metodicamente preparadas pela equipe de apoio. A cada segundo, a ansiedade da mãe e do pai acompanhante aumenta exponencialmente. É o primeiro filho do casal. O médico obstetra chega à sala para o primeiro parto do dia. Ele tem uma feição ansiosa; o cansaço crônico transparece.
Sua comunicação com a parturiente é monossilábica. Sequer um bom-dia é dito.
Sem se dar conta de que isso aumentaria mais a ansiedade da mãe, ele indaga: qual era o problema cardiológico detectado durante o pré-natal? A mãe mal responde. A ansiedade inibe o funcionamento eficaz da memória. O anestesista dá sinal verde. Tudo pronto para o início da cesariana. O médico obstetra auxiliar chega, com a roupa e luvas adequadas, adentra a sala e inicia o trabalho cirúrgico de apoio.
Com habilidades técnicas refinadas, em pouco mais de 20 minutos, ambos fazem a criança nascer e costuram a barriga da mãe. A criança segue para a sala de pediatria com o pai no encalço. A mãe, o tempo todo consciente, com um lençol à frente, nada pode ver abaixo da barriga. Nada diz, pois nenhuma palavra lhe é dirigida. Nem ousa perguntar. O obstetra chefe diz: tarefa feita. Os médicos saem da sala.
No limiar do século 21, essa cena de trabalho deve ser corriqueira nas maternidades do planeta. Mas, historicamente, o trabalho de parto nem sempre foi assim. Ele mudou não só pelos avanços tecnológicos e do conhecimento nessa área da medicina, mas, sobretudo, pelos impactos das mudanças do trabalho na qualidade da relação médico-paciente. Na cena
relatada,