Um dos problemas mais complexos e mais importantes da Filosofia, hoje e sempre, e dos que têm mais consequências na nossa vida pessoal e social, é a questão de saber se existe uma natureza humana. Tal não significa, evidentemente, que esta questão se encontre sequer na agenda ou ordem do dia das discussões da moda. Pelo contrário. Discutir séria e abertamente, radicalmente, se há uma natureza humana pressupõe, como é lógico, a prévia disponibilidade para vir a admitir a hipótese de que tal coisa existiria (ou a sua contrária). Ora o pensamento único, hoje avassalador, já decidiu, com a sua petulante tirania do espírito, armado do seu desprezo suficiente e da sua ácida e fulminante ironia de intelectual, que não existe nada de natural, e muito menos a natureza humana. “-Que é isso de natureza?” “-Que é isso de Homem?” Só quando quer aniquilar as instituições e outros artefactos culturais que ainda vão segurando o dique da anomia social, ou cede ao romântico apelo ecologista ou afim, o filosoficamente correcto apela para o tópico “natureza”... Evidentemente, é sabido que este problema da natureza humana se conexiona desde logo com o de se saber se há uma natureza em geral, quer no sentido de uma “ordem do mundo”, quer no sentido de uma “natureza das coisas”(natura rerum, natura rei), quer noutras acepções ainda. Também, entretanto, e a meio caminho, se pode questionar se há uma natureza dos animais, ou dos animais e das plantas, uma espécie de natureza biológica. E que relações essas naturezas estabelecem com a humana... Tem-se tentado o elogio do humano e a sua prevalência sobre o animal (e os demais reinos da natureza), assinalando-lhe a diferença específica da racionalidade, da religiosidade, da arte, da própria sociabilidade. Mas todos estes aspectos se encontram em crise. Mesmo o da religiosidade, e (embora um pouco menos) o da arte, que, não podendo facilmente ser detectadas entre os animais, todavia se encontram postas