Ahaha
A mulher sem amor é como o inverno
Como a luz das antélias no deserto
Como o espinheiro de isoladas fragas
Como das ondas o caminho incerto
A mulher sem amor é Mancenilha
Das ermas plagas sobre o chão crescida
Basta-lhe à sombra repousar um'hora
Que seu veneno nos corrompe a vida
De eivado seio no profundo abismo
Paixões repousam num sudário eterno
Não há canto nem flor, - não há perfumes
A mulher sem amor é como o inverno
Su'alma é um alaúde desmontado
Onde embalde o cantor procura um hino
- Flor sem aromas, - sensitiva morta
- Batel nas ondas a vagar sem tino
Mas se um raio do sol tremendo deixa
Do céu nublado a condensada treva
A mulher amorosa é mais que um anjo
- É um sopro de Deus que tudo eleva
Como o árabe ardente e sequioso
Que a tenda deixa pela noite escura
E vai no seio de orvalhado lírio
Lamber a medo a divinal frescura
O poeta a venera no silêncio
Bebe o pranto celeste que ela chora
Ouve-lhe os cantos, - lhe perfuma a vida
- A mulher amorosa é como a aurora
O poema idealiza a mulher, mostrando que sem o amor ela não é nada. Em certas estrofes, ela é comparada com o “inverno”: fria e triste. Porém, a “mulher amorosa” é como a aurora: sempre iluminada
XXXI
A MEU AMIGO D. J. G. DE MAGALHÃES
Como é bela a Natura!
Pode o parto de um gênio em febre intensa
Rivalizar tais cenas?
Ver das águas a queda ruidosa
Deslizar entre seixos, formando
De cristal mil festões, que se esmaltam
Da palheta do íris, pintando
Retab’los, onde o toque da mão mestra
Em matiz variado delineia
Sucessivas belezas, como a idéia,
Que outra idéia desperta, vinculando
Das sensações o quadro reanimado;
Onde terna saudade em ledo arroubo,
Volteia esperançosa
Sobre as asas divinas da memória,
Que em seu grêmio renova eras passadas;
Misteriosa fênix de nossa alma!
Propércio e Cíntia,
Catulo, Horácio,
Mecenas, tudo
Do antigo Lácio
Patente sobre as ruínas vejo errarem,
Como nuvens de fósforo