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Opinião
Etnografia do “rolezinho”
O ato de ir ao shopping é político: porque esses jovens estão se apropriando de coisas e espaços que a sociedade lhes nega dia a dia por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 15/01/2014 08:59
Rosana Pinheiro-Machado
Em 2009, eu e minha colega e amiga, Lucia Scalco, começamos a estudar o fenômeno dos bondes de marca. Como? A gente reunia a rapaziada, descíamos o morro e íamos juntos dar um rolezinho pelo shopping – o lugar preferido desses jovens da periferia de Porto Alegre. Eles nos mostravam as marcas e lojas preferidas. Contavam como faziam de tudo para adquirir esses bens
(descrevemos todas as possibilidades em nossos papers). Havia um prazer e empoderamento nesse ato de descer até o shopping. Eles não queriam assustar, porque nem imaginavam que a discriminação fosse tão grande que eles pudessem assustar. Muito pelo contrário: eles faziam um ritual de se vestir, de usar as melhores marcas e estar digno a transitar pelo shopping.
Uma vez um menino disse que usava as melhores roupas e marcas para ir ao shopping para ser visto como gente. Ou seja, a roupa tentava resolver uma profunda tensão da visibilidade de sua existência. Mas, noutro canto, os donos
As marcas são objeto de desejo
da loja se assustavam e cuidavam para ver se eles não roubavam nada. Um funcionário disse à Lucia a mais honesta frase de todas (uma honestidade que corta a alma): “não adianta eles se vestirem com marca e virem pagar com dinheiro. Pobre só usa dinheiro vivo. Eles chegam aqui e a gente na hora vê que é pobre”. Eles, no entanto, acreditavam que eram os mais adorados e empoderados clientes das lojas.
Um funcionário da Nike uma vez declarou para a pesquisa: “nós nos envergonhamos desse fenômeno de apropriação da nossa marca por esses marginais”. Mas eles nos diziam: “as marcas deveriam nos pagar para fazer propaganda, porque nos as amamos. Sem marca, você é um lixo”. Quando mostrei o Funk dos Bens Materiais em