Fragmentos e pessoa e a vida em demência

“memória coletiva”, baseado na obra de Maurice Halbwachs (HALBWACHS, 1990). Enquanto todos rememoravam suas histórias de vida em comum e conversavam sobre suas experiências de vidaatuais e passadas, esse senhor segurava sua prancheta amarrada em seu pescoço durante todas as tardes no Clube. Nesse grupo, no qual fiz minha etnografia, havia um tabu em torno da doença e da morte. A norma de convivência era a de não se falar sobre qualquer assunto que não tivesse o objetivo da diversão, ou da “desopilação” como eles afirmavam. Com isso a doença de Alzheimer (DA) 1, doença que acometia aquele senhor, nunca foi citada por ninguém no clube. Tinham apenas me dito que não era para “levar a sério” nada do que ele dizia. Como um “antropólogo treinado” na prática da dúvida e da curiosidade, fui um dia conversar com ele. Fiz perguntas diretas, de tal maneira que as respostas possíveis eram da ordem do sim e do não. Ele por sua vez ignorava todas elas e começava a contar diversas histórias sobre a prática do remo no Lago Guaíba (lago situado ao lado de Porto Alegre e região metropolitana) sem qualquer contexto com aquele momento em que conversávamos e 1 Sigla usada internacionalmente referente à patologia descoberta e estudada pelo cientista alemão que a descobriu, Alois Alzheimer (LUZARDO et. col., 2006). 9 com a situação na qual ele se encontrava. Ou seja, as histórias eram contadas em um tempo presente, “como se” ele ainda estivesse praticando o remo.…