Água e sabonete.
Acordei com a ligeira impressão de que este dia nada poderia oferecer, que me entristecesse de alguma forma. Uma destas esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não importa se faz sol ou chuva. Obrigada! Estou viva! Despertei! Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Desperta-nos a impressão de que sabonete e água quente, serão capazes de passar a limpo todos os sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que nos revigora o banho matinal? Possui tais poderes a água que escorre do chuveiro?
Pessoas mais sensatas afirmariam que tal banho, em dimensões reais, não existe. A água e espuma que limpam o corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do sentir uma névoa em que se possa rabiscar, escrever impressões aleatórias, imprimir desejos, forjar uma promessa.
Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de sabão que se sentem livres para voar. Leves e flutuantes possuem o "céu" como limite, entretanto de repente , pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembra delas? Não percebem sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu voo sem sentido para um pluft... nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma, em 'dias especiais'? Leves, flutuantes, intocáveis em um voo sem limites? Então a realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade. Somos felizes na nossa essência? Acreditamos em água morna e sabonete?