O ultimo cuba libre
Marcos Rey
Durante o dia, Adão Flores era um gordo como qualquer outro. Sua atividade e seu charme começavam depois das 22 horas e às vezes até mais tarde. Então era visto levando seus 120 quilos às boates, bistrôs e inferninhos da cidade, profissionalmente, pois não só gostava da noite como também vivia dela. Empresário de modestos espetáculos, era a salvação última de cantores, mágicos, humoristas decadentes. [...]
Como o tempo, Adão Flores adquiriu outra profissão, paralela à de empresário da noite, a de detetive particular, mas sem placa na porta e mesmo sem porta, atividade restrita apenas a cenários noturnos e pessoas conhecidas. Apesar de agir esporadicamente e circunscrito a poucos quarteirões, Adão Flores começou a ganhar certa fama graças a um jornalista, Lauro de Freitas, que começava a fazer dele personagem frequente em sua coluna, a ponto de muita gente supor tratar-se de ficção e mais nada.
Adão Flores apareceu no “Yes-Club”, cumprindo seu itinerário habitual. Rara era a noite em que não comparecia ao tradicional estabelecimento da Bianca, onde seus casos tinham grande repercussão [...]. Mas nem teve tempo de sentar-se. Uma mulher, nervosíssima, que já o aguardava, aproximou-se dele um tanto ofegante.
- Lembra-se de mim, Adão?
- Estela Lins?! Como vai o malandro do seu marido? Anda sumido!
- É por causa dele que estou aqui. Adão, você pode me acompanhar? Meu carro está na porta. É um caso grave.
- O que aconteceu?
- Direi tudo no carro.
Júlio Barrios, mexicano, cantor de boleros, fora um dos contratados de Adão que mais lhe deram dinheiro nos quase dez anos que estivera sob contrato. [...] Quando o público se cansou dele, Flores levou-o às churrascarias, salões da periferia e cidades do interior, etapas do declínio de qualquer cantor. Júlio não se abateu totalmente, pois, enquanto tivesse uma mulher apaixonada a seu lado, podia levar a vida.
Estela dirigia atabalhoadamente um fusca em estado de desmaterialização.
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