A epop ia de Riobaldo

28840 palavras 116 páginas
A epopéia de Riobaldo
(Análise de José Hildebrando Dacanal )
Introdução
Poderá parecer estranho que uma análise de Grande sertão: veredas parta de um diálogo, embora mais implícito que explícito, com Teoria do romance, de Georg Lukács, e as preleções de Hegel sobre a epopéia em sua Estética. Talvez pareça mais estranho ainda ignorar os teóricos do romance, de Clara Reeve e o bispo Huet a E.M. Forster, Wolfgang Kayser, R. Scholes e outros inumeráveis, sem esquecer a moda recente do estruturalismo,* cujos princípios, válidos ou supostamente válidos, são aplicados indiscriminadamente e com um incrível desprezo pela História.
A tentativa de analisar a obra de João Guimarães Rosa a partir de um diálogo com Hegel e Lukács, como pretendo, encontra sua explicação em vários fatores, possíveis de serem reduzidos todos a um denominador comum. Contudo, para clareza, serão apresentados separadamente.
1 – A nova narrativa épica latino-americana , à qual pertence Grande sertão: veredas, representa um fenômeno qualitativo radicalmente novo no âmbito daquela ficção romanesca ocidental cujo primeiro grande marco indiscutível é Cervantes, com seu Dom Quixote, e cujo momento mais remoto talvez possa ser detectado no Dolopathos, de Johannes de Alta Silva.
Quando Johannes de Alta Silva, ao escrever sua obra, achou necessário encontra-la pedindo a benevolência e a compreensão do leitor para a incredibilidade dos episódios que coletara, argumentando que o fizera apenas com intuito de deleitar, o que, para ele, justificava os elementos de fantasia pura neles contidos, estava definindo, in nuce e por contraposição, o que viria ser um dos caracteres fundamentais, talvez mesmo o caráter fundamental, de toda a narrativa de ficção surgida posteriormente na Europa e, de maneira particular e específica, do grande romance do real-naturalismo, cujo ponto culminante é atingido nos séc. XVIII e XIX.
Este caráter essencial, ao qual até hoje não se deu a atenção devida, talvez por ser

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