A emergência do observador
ARLINDO MACHADO
Techniques of the Observer de Jonathan Crary. The MIT Press, 1992, 171p.
Com um atraso de dez anos, finalmente se anuncia o lançamento no Brasil (pela Contracapa Editora, do Rio de Janeiro) da tradução ao português de um dos livros mais influentes no campo dos estudos relacionados com as mídias. Trata-se de Techniques of the Observer, no qual o autor Jonathan Crary redireciona a aborda- gem do espectador e de sua inserção na imagem. Crary vê diferenças radicais entre o modo como o sujeito se posicionava no modelo figurativo do Renascimento e as novas figuras da subjetividade que começam a ser esboçadas no começo do século XIX e que alcançam a plenitude em nosso tempo. No modelo anterior, baseado no modo de funcionamento da camera obscura, o efeito de subjetividade derivava de uma operação de individualização, em que o observador era isolado do mundo, gra- ças a um dispositivo que o enclausurava num cubículo escuro e o deixava diante da presença exclusiva da imagem. “A camera obscura produz uma nova forma de askesis, ou de afastamento do mundo, de modo a regular e purificar a relação do sujeito com os múltiplos conteúdos de um mundo agora considerado exterior” (p. 39). Desse modo, o dispositivo básico da figuração renascentista, embora não ex- clusivo, tornou-se o modelo mais amplamente utilizado, até finais do século XVIII, para explicar o processo de visão ou para representar a relação do sujeito com o mundo e, nesse sentido, teve larga aplicação tanto na observação do mundo, na investigação científica, como no entretenimento de massa e na prática artística. Mais do que um simples aparato óptico ou dispositivo técnico, a camera obscura subsistiu também como uma metáfora filosófica do sujeito e um modelo conceitual em ciências físicas.
Com a hegemonia da camera obscura, o ato de ver é separado do corpo físico do observador, que não tem mais nenhum papel a desempenhar no processo de significação. O dispositivo impede,